Por Lilian Brunetta e Giovana Tortato Poleza
Resolver conflitos não significa apenas permitir sua adjudicação pelo Estado, uma vez que o processo judicial litigioso pode ser tido como inadequado para muitas questões e, efetivamente, impedir o tão famigerado “acesso à justiça”[1] pelos jurisdicionados. Contudo, a primeira ideia que nos vem à mente quando falamos em atuação de um advogado perante a sociedade está intimamente ligada ao seu exercício de função judicante em corte. E por que é assim?
Esta ideia está intimamente ligada às referências que temos dos ensinamentos clássicos de jurisdição, pela qual seria ela o poder-dever do Estado de, ao se fazer substituir pelas partes, resolver o conflito de interesses que lhe é apresentado para tutelar o ordenamento jurídico e dar a cada um o que efetivamente é seu. [2] E acompanha este movimento, a disseminação da cultura de acesso à justiça, em subsequentes aberturas legislativas, para que o poder judiciário, de fato, fosse tido como protagonista e ativista no ato de solucionar demandas.
E isso continua a fazer sentido?
Em continuidade ao primeiro artigo aqui publicado, trazemos à tona novamente a necessidade de ressignificar a atuação dos operadores de direito e do poder estatal na resolução de conflitos.
E por quê?
A propositura de ações judiciais é apenas um dos meios de se resolver demandas, mas a busca de resoluções pode ocorrer também de maneira privada e de forma autocompositiva. Você já se imaginou entrando em um escritório de advocacia e sendo apresentado a um menu de opções de resoluções de demandas? Como você reagiria? Veja abaixo um menu extraído do livro Direito Colaborativo, de Pauline Tesler[3]:

Perceba que o menu de opções, acima exemplificado, seria compatível com o modelo multiportas adotado por nosso Código de Processo Civil de 2015, por apontar que a solução adequada e idônea de cada conflito é norma fundamental de processo e deve ser indistintamente observada.
Ali, parte-se de uma solução estritamente privada e individual, passa-se por uma mediação privada; segue-se para práticas colaborativas, auxiliadas por equipe disciplinares; para em seguida, termos a mediação. No esquema exemplificativo, as soluções tomadas por terceiros, são deixadas para casos não passiveis de resoluções por métodos anteriores, operando-se aí o processo extrajudicial, a arbitragem e o processo judicial.
O menu que utilizamos acima não esgota os meios disponíveis para se resolver de forma extrajudicial os conflitos de interesses. Outros disponíveis aqui e em direito comparado serão abordados em futuras publicações.
O intuito aqui foi deixar claro que nossos métodos não podem ser reduzidos à conciliação, mediação e arbitragem. E, quando se busca uma solução apropriada para conflitos de interesses, com participação decisiva e ativa das partes envolvidas, a efetividade desta atividade é maior e, indiscutivelmente relacionamentos restarão preservados, em especial em áreas de família, societário e trabalhista.
[1] Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na série Acesso à Justiça, já indicavam que um dos obstáculos é o processual, pois em certas áreas, o tradicional processo litigioso é inadequado. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. P.67.
[2] “Segundo Afranio Silva Jardim, em referência aos ensinamentos de Chiovenda, 1969, a jurisdição é o poder-dever que cabe ao Estado de, substituindo-se às partes, resolver o conflito de interesse que lhe é apresentado a fim de que, tutelando o ordenamento jurídico, de a cada um o que efetivamente é seu, ou seja, a ideia de jurisdição e acesso à justiça estava diretamente ligada ao modelo clássico de resolução judicial, em que o juiz impõe as partes uma decisão sobre o litigio”.
[3] Tesler, Pauline H. Direito Colaborativo: conquistando uma resolução efetiva em divórcio sem litígio/Pauline H Tesler; tradução de Fal Azevedo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, 2021, p. 72.
Referências:
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracu=ie Northfleet.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. Disponível em http://irib.org.br/app/webroot/publicacoes/diversos003/pdf.PDF. Acesso em 23/09/2022.
JARDIM, Afrânio Silva. Notas sobre a juridição. In: Direito Processual penal. 11. Ed. Rio de Janeiro: Forense.
Tesler, Pauline H. Direito Colaborativo: conquistando uma resolução efetiva em divórcio sem litígio/Pauline H Tesler; tradução de Fal Azevedo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, 2021, p. 72.