Por Giovana Poleza e Beatriz Kohlenberger
Como você se sentiria ao se deparar com o seguinte despacho:
’Considerando que o interesse processual está ligado com a utilidade do pedido: considerando que em princípio trata-se de mais uma execução inútil, em que até a presente data não foi feita a citação do devedor; considerando o dever fundamental de não desperdício do dinheiro público, com gasto de tempo desnecessário dos órgãos do Poder Judiciário e dos procuradores municipais; considerando os custos de um processo de execução, esclareça o recorrente qual a utilidade deste recurso, ou seja, qual o interesse processual recursal, sob a ótica da utilidade.’’
No mínimo incômodo, não?
É amplamente conhecida a existência dos princípios norteadores essenciais do direito, que definem o fio condutor do deslinde processual e da atividade jurisdicional. Mas qual é o impacto na via prática?
Dois dos principais pilares que definem a agilidade e eficácia da prestação jurisdicional são: o princípio da utilidade e o princípio da eficiência. Atos úteis e frutíferos são indispensáveis para que se possa dar um seguimento fluido e adequado à marcha processual, resolvendo definitivamente as controvérsias tidas em cada demanda.
O que define a utilidade no curso processual? A questão que remanesce é justamente esta: quais os limites da rigidez dos atos processuais e sua eficiência para a efetiva conclusão das lides ajuizadas.
O processo de execução revela princípios evidentemente calibrados à natureza da respectiva função judicial. Exatamente com esta orientação em mente, Lopes da Costa tratou dos princípios executivos sob o título de ‘’caracteres da execução’’. [1]
O princípio da utilidade vem como uma razão de ser do processo de execução, isto é, o processo de execução deve ter uma utilidade que traga benefícios ao exequente, fulminando com a satisfação do seu direito, e, simultaneamente, proteja o devedor de excessivo e descabido prejuízo.
Ora, o acúmulo de atos processuais protelatórios baseados na mera formalidade e permissividade normativa para as sucessivas interposições recursais não traz qualquer eficácia à resolução do feito, mas sim revela a inobservância dos princípios processuais basilares.
A título de exemplo, com base neste princípio, o magistrado não deve submeter o exequendo às astreintes (multa para compelir o devedor ao cumprimento forçado da prestação devida) quando o juiz se convence de que a obrigação se tornou materialmente impossível de ser cumprida, e somente prejudicaria o executado, sem nenhum proveito ao exequente.
Isto porque o cidadão que exerce seu direito ao amplo acesso à jurisdição o faz buscando não apenas a afirmação intelectiva de que tem razão, mas sim a realização dos atos materiais que correspondam ao direito teoricamente anunciado pelo Juiz.
A execução precisa ter utilidade prática. A prestação jurisdicional, bem como a atuação dos representantes de cada parte, deve visar a satisfação executiva, e não a punição do devedor ou a protelação do andamento processual.
A propósito, execução não é vingança privada, mas mecanismo judicial para satisfação do direito do credor, e sempre que se entender que esse direito não pode ser satisfeito não haverá razão plausível para a admissão da execução ou dos meios executivos inúteis para a satisfação do direito.
Neste ângulo, cabe ao juízo, no uso de sua discricionariedade e com base no princípio da razoabilidade, balizar as medidas formais excessivas e atos inócuos, especialmente no andamento do processo executivo, quando se busca essencialmente a satisfação de crédito – em tese – incontroverso.
Por óbvio, deve-se considerar cada caso concreto e verificar as peculiaridades fáticas, prezando pela agilidade e eficiência processual. A utilidade do feito recai justamente na sequência de condutas frutíferas e colaborativas, que visem como horizonte a efetiva finalização do feito e satisfação do direito suscitado.
Referências:
ASSIS, Araken de. Manual da Execução Fiscal. 21 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020.
ROCHA, José de Moura. Código de Processo Civil: reflexões, alterações, inovações. Apud. ASSIS, Araken de. Manual da Execução Fiscal. 21 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol.3. 52 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019, p. 246.
COSTA, Lopes da. Direito processo civil brasileiro, v.4/14-16, ns. 7-10. Apud. ASSIS, Araken de. Manual da Execução Fiscal. 21 ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020.
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
[1] Lopes da Costa, Direito processo civil brasileiro, v.4/14-16, ns. 7-10