Brunetta & Poleza Advocacia

Overruling quanto ao Tema 677/STJ: e aí, modulamos os efeitos ou continuamos na briga com a segurança jurídica?

Por Lilian Brunetta e Amanda Bortoli de Castro

O STJ revisitou recentemente o Tema 677 e alterou sua redação em vista da mudança de entendimento no que tange às consequências jurídicas do depósito judicial.

Antigamente, o Tema 677 era redigido da seguinte forma:

Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada.

Com a mudança de entendimento, passou-se à seguinte redação:

 Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

O questionamento que resta dessa mudança jurisprudencial, em vista do artigo anteriormente publicado por nós que discorre sobre as intersecções entre segurança jurídica e jurisprudência, é o seguinte: à época da vigência da antiga redação do Tema 677/STJ, o depósito judicial dos valores incontroversos com fim de quitação extinguiria integralmente   a obrigação e, assim, não se poderia ter juros de mora cobrados consoante a previsão da nova redação deste mesmo Tema?

Isso porque, com a aplicação do novo Tema 677/STJ de forma automática e irrestrita, poder-se-á interpretar que o depósito judicial efetuado pela parte anteriormente à nova redação não teria o condão de efetivo pagamento na data e local contratado, de modo que deveria, mesmo com o valor depositado em juízo, consoante orientação jurisprudencial pacificada à época, incidir juros de mora e eventuais encargos contratados em relação a essa quantia.

Ao buscar a resposta deste questionamento nos julgados do STJ, verifica-se que haveria uma legítima expectativa do jurisdicionado em relação à jurisprudência firmada, conforme o seguinte entendimento:

O dever dos Tribunais de manter sua jurisprudência estável, íntegra e coerente cumpre o propósito de garantir a isonomia de ordem material e a proteção da confiança e da expectativa legítima do jurisdicionado, fornecendo-lhe um modelo seguro de conduta de modo a tornar previsíveis as consequências de seus atos.

[…]

A força vinculante do precedente, em sentido estrito, bem como da jurisprudência, em sentido substancial, decorre de sua capacidade de servir de diretriz para o julgamento posterior em casos análogos e de, assim, criar nos jurisdicionados a legítima expectativa de que serão seguidos pelo próprio órgão julgador e órgãos hierarquicamente inferiores e, como consequência, sugerir para o cidadão um padrão de conduta a ser seguido com estabilidade. [1]

Ademais, discorrendo sobre a possibilidade de modulação dos efeitos nesses casos, ao passar para a análise da legislação, constata-se que o art. 927, § 3º do CPC, que regulamenta justamente sobre a supremacia da segurança jurídica em face da alteração de jurisprudência dominante, determina que “Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”

Ou seja, o supracitado artigo prevê que, diante da alteração de jurisprudência dominante, pode o Juízo singular modular os efeitos desse novo entendimento em vista do interesse social e da segurança jurídica.

Ainda, o art. 23 da LINDB dispõe que, diante de decisão judicial que estabelece nova orientação, deverá ser previsto regime de transição quando indispensável em vista da proporcionalidade e eficiência, sem prejudicar os interesses gerais. [2]

Assim, aplicando os supracitados dispositivos ao caso analisado, um modo de melhor adequar a nova interpretação dada pela jurisprudência seria a possibilidade de modulação de efeitos nesses casos, a fim de se garantir que os indivíduos que realizaram o depósito judicial à época da redação anterior do Tema 677/STJ não venham a ser prejudicados pela nova orientação e tenham a sua segurança jurídica garantida.

A presente reflexão aplica muito das ideias introduzidas no nosso artigo anterior, principalmente apontando um caso prático no qual a modulação de efeitos (ainda) não foi aplicada e, com certeza, causa insegurança jurídica e prejuízo às partes que se pautaram pelo antigo entendimento.


[1] EDcl no REsp n. 1.630.889/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 6/12/2018.

[2] Art. 23.  A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.