Por Giovana Poleza e Beatriz Kohlenberger
O instituto da prescrição, via de regra, corresponde aos efeitos que o transcurso temporal pode causar sobre a pretensão ou concretização de um direito.
Sua caracterização é fundamentada na necessidade de normas que afirmem a pacificação social e tornem as relações obrigacionais eficazes. Isto significa torná-las livres do receio de eventuais proposituras de demandas fundadas em obrigações contraídas há longo e indefinido tempo.
A prescrição é um fato jurídico stricto senso, pois não depende de comportamento humano para que se realize, estando diretamente relacionada com o passar do tempo.
Na esfera civil, a prescrição intercorrente se configura no curso do processo e resulta na extinção da obrigação. Ela opera em decorrência da inércia do demandante, ou seja, quando a ação não é satisfeita e o credor deixa, mesmo após ter sido intimado, de praticar atos que provoquem o andamento do processo para o efetivo adimplemento da obrigação.
A aplicação da prescrição intercorrente tem como escopo atender ao princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVII da Constituição Federal), visando dar agilidade ao processo judicial. Segue o princípio de que se o credor – parte mais interessada em ter seu direito garantido –, não atuar pela resolução do conflito, a parte demandada pode invocar a prescrição intercorrente diante desse desinteresse.
Dessa forma, tem como objetivo punir o demandante que torna inerte a ação, impossibilitando o efetivo cumprimento da execução e o recebimento do crédito. Visando garantir a celeridade do processo judicial, estipula-se, assim, um prazo para o andamento da ação, sob pena de o credor perder o direito pleiteado.
O instituto ocorre no curso do processo, mais especificamente, na fase executória, portanto, a prescrição intercorrente suspende e extingue a execução de uma sentença favorável ao titular.
Prevista no artigo 921 do CPC, a prescrição intercorrente se desenrola quando, na fase de execução, o demandado não possui bens penhoráveis para satisfazer o demandante. Assim, o juiz suspende a execução por 1 ano, período em que o prazo de prescrição também fica suspenso.
Após esse prazo, caso os bens ou o próprio executado não sejam encontrados, o processo é arquivado. Decorrido o prazo de suspensão da ação, a prescrição intercorrente volta a correr normalmente. E tão somente após seu vencimento é que a parte vencida poderá alegá-la. Consequentemente, o juiz intima as duas partes para manifestação e reconhece a prescrição, extinguindo o processo.
Os prazos comuns de prescrição da pretensão variam de 1 a 5 anos, e estão definidos pelo Código Civil conforme cada instituto, disciplinados nos artigos 205 e 206-A.
Já na esfera da execução fiscal, a prescrição intercorrente opera na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980) no artigo 40. Para que seja vislumbrada a prescrição, portanto, faz-se necessária a observância da suspensão do curso processual pelo período de um ano, sendo esta determinada a partir da inocorrência da citação do devedor ou da não localização de bens aptos à penhora.
É nesta perspectiva que se vislumbra o ditame da Súmula 314 do STJ, que pontua:
“Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”.
A paralisação do feito, por sua vez, não depende do pronunciamento do juízo, mas sim da impossibilidade de prosseguimento da medida de penhora. Esta, por si só, constitui circunstância suficiente à suspensão processual e subsequente transcurso do lapso prescricional.
A este respeito, cumpre destacar a observação feita por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR a respeito do art. 40, da Lei nº 6.830/80:
“(…) a suspensão de que cogita o art. 40 da LEF não depende de decisão solene do juiz; basta que o feito seja paralisado por falta de citação ou de penhora para tê-lo como suspenso, desde que a fazenda exequente nada tenha requerido para viabilizar a citação ou a constrição de bens e o andamento normal da execução” (Lei de Execução Fiscal, 10ª ed., 2007, Saraiva, pág. 226).
É neste sentido que se observa a leitura do Recurso Especial Repetitivo nº 1340553 – RS, julgado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 12/09/2018, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques.
O precedente pontua de forma clara que:
“(…). Nem o Juiz e nem a Procuradoria da Fazenda Pública são os senhores do termo inicial do prazo de 1 (um) ano de suspensão previsto no caput, do art. 40, da LEF, somente a lei o é (ordena o art. 40: “[…] o juiz suspenderá […]”). Não cabe ao Juiz ou à Procuradoria a escolha do melhor momento para o seu início. No primeiro momento em que constatada a não localização do devedor e/ou ausência de bens pelo oficial de justiça e intimada a Fazenda Pública, inicia-se automaticamente o prazo de suspensão, na forma do art. 40, caput, da LEF.
(…). [E]m se tratando de execução fiscal para cobrança de dívida ativa de natureza tributária (cujo despacho ordenador da citação tenha sido proferido na vigência da Lei Complementar n. 118/2005) e de qualquer dívida ativa de natureza não tributária, logo após a primeira tentativa frustrada de citação do devedor ou de localização de bens penhoráveis, o Juiz declarará suspensa a execução. (…). Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (…)”.
Em soma às hipóteses tradicionais de inauguração do deslinde prescricional, verifica-se também como circunstância suficiente à sua caracterização a inércia qualificada da parte exequente.
Isto significa dizer que, para que se opere a prescrição, basta que a parte credora permaneça silente e inerte por período superior ao prazo quinquenal, sem trazer aos autos quaisquer medidas úteis ou frutíferas.
Para tanto, a simples apresentação de petições de suspensão e mero impulsionamento do feito, sem que impliquem em diligências positivas, não têm o condão de afastar o aperfeiçoamento da prescrição.
É neste sentido que o mesmo precedente paradigmático (Recurso Especial Repetitivo nº 1340553) fixou a seguinte tese:
“4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados(ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos -,considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera”. (art. 543-C, do CPC/1973). (STJ – Primeira Seção – REsp 1340553 / RS – rel.: Mauro Campbell Marques, J. 12/09/2018).
A partir do marco interruptivo delineado pela citação do devedor ou pela medida de penhora, a prescrição intercorrente passa a se configurar, sendo verificado o transcurso temporal quinquenal sem que tenham sido promovidas quaisquer medidas frutíferas ulteriores pela parte autora.
A determinação de medidas úteis e frutíferas se dá justamente para evitar que os processos executivos permaneçam eternamente inertes, dependendo exclusivamente do impulsionamento do Poder Judiciário.
Isto posto, compreende-se que a operação da prescrição intercorrente, tanto pela sistemática cível como tributária, busca acima de tudo a garantia da efetividade da prestação jurisdicional e a celeridade processual, pilares essenciais do direito processual pátrio.