Por Amanda Bortoli de Castro
Nos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 600.811/SP, o STJ firmou a tese de que, caso haja conflito entre coisas julgadas, prevalecerá a segunda, desde que não desconstituída por ação rescisória.
Tal entendimento foi fixado pelo ministro relator Og Fernandes, que sustentou que a segunda coisa julgada prevaleceria em vista da questão cronológica, uma vez que “sendo posterior, tem o condão de suspender os efeitos da primeira decisão”.
Ainda, referindo-se à doutrina colacionada no voto proferido pelo ministro Herman Benjamin no REsp nº 598.148/SP, o ministro relator afirma que a preexistência de uma primeira coisa julgada não impede que a segunda coisa julgada se forme, sendo esta prevalente, desde que não desconstituída mediante ação rescisória:
“Em regra, após o trânsito em julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O defeito, argüível em recurso como motivo de nulidade, caso subsista, não impede que a decisão, uma vez preclusas as vias recursais, surta efeito até que seja desconstituída, mediante rescisão.” [1]
Ademais, menciona que, apesar de, via de regra, prevalecer a segunda coisa julgada, há uma exceção: quando a primeira coisa julgada já foi executada ou iniciou-se a sua execução:
“vale a segunda, e não a primeira, salvo se a primeira já se executou, ou começou de executar-se“.[2]
O ministro Raul Araújo, que em seu voto acompanhou o entendimento do relator, complementa que a prevalência da segunda coisa julgada não afrontaria o princípio da segurança jurídica:
“Não há, no caso, nenhuma ofensa à segurança jurídica, pois o sistema jurídico assegura, de forma suficiente, a prevalência da primeira coisa julgada sobre a segunda, ao prevenir o surgimento, a formação e a consolidação dessa segunda coisa julgada. Assim, chega-se à conclusão de que: surgindo, formando-se e consolidando-se uma segunda coisa julgada, em detrimento da primeira, só então a segunda é a que prevalece.”
Todavia, apesar do narrado, os votos vencidos apresentaram importantes pontos a serem discutidos.
A divergência foi aberta pelo ministro João Otávio de Noronha, que retoma o conceito de coisa julgada do art. 502[3] do CPC e afirma que a prevalência de uma segunda coisa julgada feriria o princípio da segurança e da estabilidade das decisões judiciais:
“Com a primeira coisa julgada, o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular. Seria, então, um contrassenso que uma segunda res iudicata, advinda das mesmas vias que a primeira, ou seja, um processo de cognição ordinário, pudesse fazer coisa julgada declarando não ser mais válida aquela incorporação de patrimônio, que agora predomina de outra forma. Seguindo essa linha de pensamento, o que impediria a formação de uma terceira coisa julgada? Na verdade, isso feriria outro princípio, o da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais”.
Já o ministro Luis Felipe Salomão, acompanhando a divergência aberta, menciona, sob o aspecto do direito comparado, como os demais países entendem o tema.
Foi relatado que o direito português e o direito francês adotam a teoria de que, diante do conflito entre coisas julgadas, prevalece a primeira[4]. Porém, no sentido oposto entende a Corte de Cassação italiana, de que prevalece a segunda coisa julgada[5].
Importante, entretanto, enfatizar que a corte italiana estabelece com precisão o critério cronológico a ser utilizado: quando em ambas as ações foram interpostos recursos em segundo grau e, posteriormente, perante a corte superior, valerá a decisão prolatada pela Corte de Cassação publicada posteriormente[6].
Assim, verifica-se que o atual entendimento do STJ no que tange ao conflito entre coisas julgadas parte de um dualismo muito importante no conceito do princípio de segurança jurídica – que foi interpretado de modo diverso nos votos que acompanharam o relator e naqueles que divergiram – e também foi resultado de uma discrepância entre os entendimentos dos países da civil law no momento de enfrentar o tema.
Este desacordo na doutrina e no direito internacional teve um claro impacto na decisão paradigmática ora discutida: o entendimento foi firmado no STJ em uma apertada decisão de 8 ministros entendendo pela prevalência da segunda coisa julgada contra 7 ministros entendendo de modo diverso.
A pergunta que fica é se esta heterogeneidade na leitura dos princípios somada à disparidade de posicionamentos na seara internacional que causou esta considerável divergência de entendimento interna no STJ podem nos levar a crer em uma nova discussão e, quem sabe, mudança de entendimento?
[1] Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª ed, Forense: 1985, vol. V, p. 111.
[2] Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed., t. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 214.
[3] Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
[4] Respectivamente, artigo 625, item 1, do CPC português e artigo 617, do CPC francês.
[5] Corte di Cassazione, Sentenza n. 10623 del 2009; Corte di Cassazione, Sentenza n. 2082 del 1998; Corte di Cassazione, Sentenza n. 833 del 1993; Corte di Cassazione, Sentenza n. 5311 del 1986; Corte di Cassazione, Sentenza n. 23515 del 2010;
[6] Criterio temporale – Sentenze di appello assoggettate a ricorso per cassazione – Riferimento alla data di pubblicazione della sentenza impugnata – Esclusione – Riferimento alla data di pubblicazione della sentenza di legittimità – Necessità. Nel caso di formazione di giudicati contrastanti sullo stesso oggetto, al fine di stabilire quale debba prevalere, in quanto formatosi successivamente all’altro, ove in entrambi i giudizi le sentenze emesse in grado di appello siano state impugnate in cassazione ed i corrispondenti ricorsi siano stati rigettati o dichiarati inammissibili, si deve fare riferimento alla data di pubblicazione della sentenza di Cassazione e non a quella di pubblicazione della sentenza di appello, sicché il giudicato prevalente è quello formalmente scaturito dalla sentenza di Cassazione temporalmente posteriore. Corte di Cassazione, Sez. 3, Sentenza n. 18617 del 22/09/2016