Brunetta & Poleza Advocacia

Impactos da política fiscal brasileira nos negócios internacionais

Notas acerca da acessão do Brasil à OCDE.

Por Giovana Tortato Poleza

A celebração de negócios de escopo internacional traz à tona muitos questionamentos importantes, acerca da regularização da empresa no Estado onde se encontra, da transação comercial em si, e da tributação dos insumos e serviços prestados.

A acessão do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), por sua vez, impacta diretamente na relação de mercado em que se inserem as empresas com transações internacionais. Faz-se não somente recomendável, mas essencial, a adequação das medidas e normativas de regulação tributária no cenário nacional, respeitando as iniciativas da Organização.

Foi neste contexto que passaram a vigorar tratados entre o Brasil e países como Uruguai (MSC 44/2020), Singapura (Decreto nº 11.109, de 29 de junho de 2022), Suíça (Decreto nº 10.714, de 8 de junho de 2021) e Emirados Árabes Unidos (Decreto nº 10.705, de 26 de maio de 2021), tendo como principal objeto a cooperação fiscal, a fim de uma distribuição tributária justa e adequada, evitando a não-tributação ou a bitributação sobre as atividades empresariais desenvolvidas. Apesar de redigidos em 2018, os tratados foram internalizados na legislação pátria, respectivamente, em 2022 e 2021.

Em continuidade da promoção de medidas práticas e um planejamento conjunto, em 04 de novembro de 2021, mais de 135 jurisdições acordaram em atuar conjuntamente na concretização de uma “Solução de dois pilares para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia” (redigido em 08 de outubro de 2021), em consonância com o BEPS (Base Erosion and Profit Shifting).

A ideia reside justamente na eliminação da dupla tributação, através da isenção ou da concessão de crédito em face da empresa contribuinte[1]. Para tanto, estabeleceu-se o princípio de que a receita da empresa “será alocada às jurisdições do mercado final onde os bens ou serviços são usados ou consumidos[2]”.

A atualização dos tratados internacionais chama atenção na medida em que busca a adequação do Brasil aos estímulos da OCDE para a melhor regulamentação da economia, crescentemente integrada, tecnológica e global.

Em resultado, tem-se um estímulo crescente ao investimento e criação de projetos voltados à tecnologia e à inovação. É nesta mesma perspectiva que se insere a Lei do Bem (Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005), instituindo incentivos fiscais à inovação tecnológica, pauta que entrou em destaque com a tramitação do PL 4944/2020, que trouxe como objeto a permissão do aproveitamento do montante excluído do lucro líquido das empresas, referente ao percentual dos dispêndios com pesquisa tecnológica, em exercícios subsequentes[3].

Apesar das crescentes mudanças, o debate ainda é extenso, contexto em que devem ser observados cinco grandes temáticas relativas à política fiscal internacional, para verificar a adequação das iniciativas brasileiras ao modelo adotado pela OCDE. São elas: (i) celebração de tratados internacionais tributários; (ii) controle dos preços de transferência; (iii) tributação de lucros de controladas e coligadas no exterior; (iv) transparência fiscal internacional; e (v) combate ao planejamento tributário agressivo[4].

Chama a atenção que o Brasil ainda apresenta discrepâncias relevantes em relação aos princípios basilares da tributação internacional, especialmente no que diz respeito à competência tributária. Um dos princípios que norteiam os modelos adotados pela OCDE e pela ONU (embora seja importante frisar que estes modelos, ainda que estruturalmente semelhantes, divergem entre si) é o princípio da fonte. Isto significa que se dá a prioridade à competência tributária do país onde a atividade é desenvolvida – onde se recebe o investimento – em detrimento do Estado investidor[5].

Este princípio, por sua vez, é somado ao princípio do estabelecimento permanente, que se traduz na redação do art. 7º da Convenção Modelo da OCDE, sobre o Lucro das Empresas, que pontua:

  1. Os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.

Ocorre que o Brasil, apesar de ser incentivador do princípio da fonte, adotou em suas políticas fiscais os ditames do art. 7º, controlando sua abrangência no que diz respeito ao “estabelecimento permanente” através de regulamentações próprias relativas aos setores de mercado, englobando como principais segmentos: i) aluguel; ii) prestação de serviços empresariais; iii) seguro e resseguro; e iv) venda de mercadorias[6].

Verifica-se que a política fiscal internacional adotada pelo Brasil prioriza em grande parte o país de fonte dos rendimentos, alinhando-se majoritariamente às previsões dispostas na Convenção Modelo da ONU.

Apesar de não existirem condições específicas acerca da modulação tributária nacional para adequação aos princípios estipulados pela OCDE, seguem em debate muitas ponderações acerca dos tratados e negociações internacionais celebradas pelo Brasil, tendo em vista a repercussão da acessão do país à Organização e a participação de projetos como o supracitado BEPS, trazendo como principais temáticas a atualização e simplificação do sistema tributário, a estipulação de medidas de prevenção à bitributação, capacitação administrativa e mecanismos de resolução de disputas[7].


[1] OCDE. Statement on a Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy – 8 October 2021.

[2] Ibidem.

[3] Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2264376

[4] ROCHA, Sérgio André. ACESSÃO DO BRASIL À OCDE E A POLÍTICA FISCAL INTERNACIONAL BRASILEIRA, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.38116/bepi28art2

[5] Ibidem. Apud United Nations, 2017, p. iii.

[6] Ibidem nota 5.

[7] Ibidem.