Por Lilian Brunetta e Giovana Tortato Poleza
Inúmeros são os fatores que impactam de maneira negativa no critério confiabilidade quando se analisa a eficácia e a eficiência da prestação jurisdicional no Brasil. Dentre eles, não se pode deixar de dar ênfase ao excesso de formalismo, à morosidade e à ausência de qualidade em decisões, decorrente em grande parte de um volume estrondoso de processos ajuizados aos cântaros dia após dia.
Poder-se-ia ingressar na verticalização dos problemas acima elencados para discorrer de maneira extensiva sobre os desafios que são encarados pelo outro lado do balcão forense. Contudo, nosso primeiro artigo aqui lançado terá como escopo colocar os jurisdicionados no divã e numa “mea culpa” quanto ao agravamento da situação delicada na qual nos encontramos, explorar de que forma a cultura do litígio é fomentada não somente pela sociedade em si, mas também pelos operadores de direito.
Entende se que o direito ao acesso à justiça, previsto no art. 5, XXXV, da CF/88, compreende não apenas o acesso ao devido processo legal frente ao Judiciário, mas também inclui resolução de demandas de forma adequada aos interesses dos envolvidos, de forma a evitar que os conflitos sejam unicamente tratados por meio de decisões adjudicadas pelo Estado.
Como parâmetro normativo precursor do que se vivencia agora, a Resolução 125/2010 instituiu uma Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário para assegurar o direito de resolução de conflitos por meios adequados à natureza e à peculiaridade da controvérsia, com ênfase aos meios consensuais autocompositivos.
Nosso Código de Processo Civil datado de 2015 caminha para esta abertura a um sistema multiportas de resolução de conflitos ao prever uma diversidade de possibilidades de enfrentamento dos litígios, incluindo meios consensuais como a medicação, a conciliação e a arbitragem.
Contudo, estamos efetivamente encarando esta mudança de paradigma para além dos diplomas legais, incluindo e fomentando meios autocompositivos em nossa prática diária?
A realidade não é tão otimista quanto se gostaria. A verdade é que ainda é muito pouco discutida e estudada a modalidade dos chamados ‘Alternative Conflict Resolutions’ (meios alternativos de resolução de conflitos), no território nacional.
Nos deparamos com uma cultura fundada na bipolaridade: de um lado, a extrema informalidade, o ‘jeitinho brasileiro’; e de outro, a extrema rigidez e judicialização dos conflitos diários. Por óbvio, ambas as facetas não dialogam e levam a um distanciamento cada vez maior dos pilares jurídicos em relação aos cidadãos. Evidência disso é a própria dificuldade da linguagem jurídica, somada à formalidade processual e ao sentimento de impotência daqueles que, sem a expertise necessária, encaram processos longos e demorados, com pronunciamentos rebuscados e incompreensíveis.
Apesar disso, nos entremeios do comportamento diplomático e dos fundamentos da cidadania, existem outros métodos capazes de solucionar os diversos conflitos diários, deixando a via judiciária como última medida, para os litígios que inevitavelmente exigem a intervenção do juízo.
Em um campo aberto e cheio de possibilidades, encontramos a advocacia colaborativa, cooperativa, além dos meios consensuais supra listados. São todos formatos diferentes, cada qual com suas peculiaridades e benefícios, que buscam propor alternativas que, ao menos em um momento inicial, escapem dos escaninhos do Judiciário.
É papel dos advogados, por sua vez, apresentar aos clientes as diversas opções que podem ser ofertadas no momento de resolver uma controvérsia. Em contrário do que se difunde em larga escala, a advocacia tem muito mais a oferecer para além do ajuizamento de ações, cabendo ao profissional assessorar o cliente da maneira mais adequada ao caso concreto, aplicando seu conhecimento técnico em consonância com o contexto pessoal de cada indivíduo.
Acreditamos em uma advocacia multidisciplinar e personalizada, que se propõe a expandir as perspectivas para a aplicação do direito, de forma coerente com a realidade fática.
Cabe aos cidadãos, e, especialmente aos advogados, buscar aliar a cultura popular com um dos pilares do Estado de Direito: o Poder Judiciário.
Uma das respostas mais eficazes para isso consiste na democratização do Direito. Democratizar significa expandir a informação, educar e assistir. Na via prática, significa também tornar acessível, ágil e exequível o auxílio àqueles que necessitam de soluções para as controvérsias diárias, buscando a melhor alternativa de resolução de disputas, e não relegando ao Judiciário a prioridade absoluta na adjudicação desta tarefa.
Bibliografia
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à Justiça. Revista de Processo, São Paulo, ano 19, n. 74, p. 82-97, abr-jun.1994.
ZANFERDINI, Flávia de Almeida Montingelli; SUAID, Ricardo Adelino. Acesso à justiça pelo sistema multiportas e convenções processuais no Código de Processo Civil de 2015. In RePro – Revista de Processo, ano 45, nº 304, jun. 2020. Thomson Reuters: Revista dos Tribunais, p. 365-377.
TESLER, Pauline H. Direito Colaborativo: conquistando uma resolução efetiva em divórcio sem litígio; tradução de Fal Azevedo. São Paulo: Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas, 2021.